quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Em quem acreditar diante das diferentes narrativas em torno da vacina?

 



Por Camila Machado                


    As vacinas são responsáveis por evitar até três milhões de mortes, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas, no Brasil, todas as vacinas destinadas a crianças menores de dois anos de idade têm apresentado queda na cobertura desde 2011, segundo o Ministério da Saúde. Dados de 2018 indicam que a cobertura vacinal contra a poliomielite, por exemplo, foi reduzida para 86,3%. O país, que já foi considerado livre do sarampo, perdeu o certificado de erradicação da doença em 2019. Narrativas falsas, sem nenhuma comprovação científica, sobre as vacinas vêm se disseminando pelas redes e dando sustentação ao discurso do movimento anti-vacina. Em meio a uma pandemia, as
fake news em saúde se tornam um problema extremamente grave e prestam um desserviço à população.

Manifestações contra a imunização obrigatória e a vacina chinesa em novembro de 2020 - São Paulo. Foto: REUTERS/Amanda Perobelli

Estudos apontam que o problema das fakes news se intensificou com a pandemia da Covid-19 e esse tipo de conteúdo nas redes sociais passou a ser usado para reverberar vozes de movimentos antivacina.  É possível perceber que informações advindas de, por exemplo, páginas de ministérios, agências reguladoras, secretarias municipais e estaduais de saúde e entidades de fomento à pesquisa são links pouco curtidos e compartilhados se comparados com os de notícias falsas. Há, ainda, evidências fortes de que o movimento antivacina atua, prioritariamente, em grupos fechados no Facebook e no Whatsapp e não em espaços públicos do Twitter e do Facebook, como apresentado no artigo de  Luiza Massarini publicado nos Cadernos de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública.

A luta contra as fake News e a desinformação acerca da vacinação fica ainda mais difícil quando o presidente do país se mostra favorável à não vacinação. Bolsonaro inúmeras vezes questionou o uso da vacina contra Covid-19 e disse, por exemplo, que não obrigaria ninguém a tomá-la. Nesse episódio, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, criticou o discurso anti-vacina.  “As pessoas não devem ser confundidas por movimentos anti-vacina, mas ver como o mundo usou vacinas para combater a mortalidade infantil e para erradicar doenças. Olhe os relatórios das vacinas, olhem vocês mesmos, especialmente os pais, como as vacinas mudaram o mundo”, disse.

Diante de uma doença tão contagiosa como o Covid-19, que apresenta agora dezenas de variantes que tornam o vírus ainda mais transmissível, uma vacinação em massa torna-se necessária. Mas, além de lutar contra o tempo e o vírus, as autoridades de saúde têm agora de lutar contra discursos anti-vacinas que parecem se espalhar cada vez mais, gerando medo e pavor na população. Inúmeras teorias da conspiração surgiram desde o anúncio de que as primeiras vacinas estariam prontas. Hoje o Brasil tem, de um lado, as autoridades internacionais de saúde, os laboratórios e a imprensa lutando em defesa da vacinação e apresentando, constantemente, informações sobre sua eficácia e importância para o fim da pandemia. E de outro temos uma grande disseminação de notícias falsas e um governo que já deixou evidente ter certa resistência à vacinação (embora tenha mudado seu discurso recentemente).

     Um acontecimento recente deixou muitos brasileiros ainda mais “perdidos” na desinformação em torno da vacina e do próprio Covid. O Twitter chegou a colocar um aviso de que “informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas à Covid-19” estariam presentes em um post feito pelo perfil oficial do Ministério da Saúde. Surge daí uma questão: se até o ministério anda propagando conteúdos “duvidosos”, em quem devemos confiar? São tantas narrativas diferentes que o povo brasileiro se vê perdido, sem saber mais em quem acreditar.  

Porém, é preciso ter em mente que os movimentos antivacina podem até criar narrativas para lutar contra a vacina, mas os números nos contam a sua própria história. “Temos que colocar em perspectiva as vacinas e o que elas fizeram para a humanidade. Não há dúvida que houve uma aceleração nas pesquisas de vacinas para a covid-19 e isso se deve ao avanço da tecnologia. E nenhuma vacina será entregue massivamente antes de serem avaliadas”, esclareceu Soumya Swaminathan, cientista-chefe da OMS, ainda em setembro de 2020. É necessário educar mais o público sobre as vacinas e lutar contra o desserviço das notícias falsas. Não adianta ter vacina se a população não confiar nela e não compreender a importância da adesão de todos à vacinação.


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A Imprensa se tornou “inimiga da nação” no governo Bolsonaro

 

Por Camila Machado                

O Presidente Jair Bolsonaro foi responsável por mais de 200 ataques a imprensa só no primeiro semestre de 2020. Imagem: Bancários Bhaia

Ataques à imprensa se tornaram uma “marca” do governo atual. Antes mesmo de ser eleito, Bolsonaro já atacava a imprensa em suas redes sociais, chegando a promover, por exemplo, o linchamento virtual de jornalistas da Folha de São Paulo, em outubro de 2018, depois de o jornal publicar uma reportagem mostrando a relação de empresários, que apoiavam sua campanha, com a da propagação de informações falsas sobre o PT pelo Whatsapp. Três jornalistas da Folha foram virtualmente atacados e a autora da reportagem chegou a ser confrontada por apoiadores de Bolsonaro, ainda no mesmo ano. Mas as coisas pioraram depois da posse. Bolsonaro fez da imprensa não só sua “inimiga”, mas também da nação.

Um monitoramento feito pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), divulgado em julho de 2020,  mostra que 245 ataques contra o jornalismo por parte do Presidente Jair Bolsonaro foram registrados só no primeiro semestre daquele ano. Desses, 211 foram categorizadas como descredibilização da imprensa, 32 ataques pessoais a jornalistas e dois ataques contra a própria FENAJ. Foram quase dez ataques ao trabalho jornalístico por semana em 2020, segundo a Federação. Esses ataques são feitos em declarações públicas do presidente em suas lives para o YouTube,  em sua conta pessoal no Twitter, em vídeos de entrevistas coletivas em frente ao Palácio do Alvorada, discursos e também em entrevistas disponibilizadas no portal do Planalto.

Qualquer que seja a notícia sobre as ações do governo ou a postura negativa do presidente fazem com que a imprensa e os jornalistas sejam colocados como “inimigos do país”.  Bolsonaro se refere ao trabalho da imprensa, por diversas vezes, como mentirosa, omissa, sem credibilidade ou confiabilidade, e já chegou a afirmar que a imprensa atrapalha, é uma vergonha, deturpa, esculhamba e tripudia de assuntos sérios.  Para o presidente, faltam notícias verdadeiras,  chamando de fake news todas as que, segundo ele, “destroem reputações”. O jornalismo profissional também sofre com ataques misóginos e homofóbicos por parte do presidente e com os gestos ofensivos feitos por ele aos jornalistas que atuam na cobertura em frente ao Palácio do Alvorada, em Brasília. Todos devem se lembrar da cena patética de contratar um humorista para distribuir bananas aos profissionais da imprensa, em fevereiro de 2020.

A agressiva relação do presidente com a imprensa piorou ainda mais com a pandemia. Em março, Bolsonaro fez pronunciamento para TV e rádio afirmando que meios de comunicação “espalharam exatamente a sensação de pavor” e pela primeira vez associou a atuação da imprensa no contexto da pandemia como causadora de “histeria”. Esse discurso foi mantido por meses até que em junho uma mudança de postura do presidente foi adotada. Bolsonaro passa a se referir com ironia à imprensa em suas redes sociais e discursos. Sobre as agressões físicas a jornalistas no exercício profissional, por parte de seus apoiadores, Bolsonaro se manifestou dizendo apenas: “se são agredidos, saiam dali, pô! Vocês não são obrigados a ficar ali”.

 Mas não só o presidente Jair Bolsonaro ataca a imprensa. Em setembro de 2020, a entidade internacional Artigo 19 apresentou ao Conselho de Direitos Humanos da ONU um relatório que mostrava  que o presidente, seus filhos, ministros e assessores realizaram um total de 449 ataques contra jornalistas desde o início de seu mandato até setembro de 2020. Os filhos de Jair Bolsonaro foram autores de quase metade (220) dos ataques, segundo o documento, e do total de violações registradas, Eduardo Bolsonaro é autor de 24%, Carlos Bolsonaro de 19%, e Flávio Bolsonaro, 6%. Os ministros indicados pelo presidente, ainda que tenham sido exonerados e indicados de forma frequente, figuraram em 27% dos ataques (119).

Claramente os números são muito maiores hoje, uma vez que o governo enfrenta agora uma queda de popularidade devido aos vários “escândalos” referentes à má eficácia do governo no combate à pandemia. A falta de seringas, o mau planejamento da compra de vacinas, a falta de oxigênio em Manaus e as incontáveis mudanças de discurso do presidente estão abalando negativamente o governo e a “única saída” nessas horas é atacar a imprensa.

O ministro da saúde, Eduardo Pazuello, vem fazendo inúmeros comentários acusando a imprensa de ser tendenciosa. No dia 07 de janeiro, por exemplo, o ministro disse: “Quero assistir a notícia e ver o fato que aconteceu, deixem a interpretação para o povo brasileiro, para cada um de nós”, questionando um dos principais papéis do jornalismo que é traduzir a realidade, o que implica, é claro, a interpretação dos dados e eventos.  Mas, o próprio ministro veio a se contradizer minutos depois: “Se cada um interpretar como quer, a desinformação é completa. Numa pandemia, a desinformação e a interpretação equivocada ou tendenciosa leva a consequências trágicas [...]”.

O ministro só esqueceu-se de dizer que a desinformação começa quando o trabalho jornalístico é ameaçado e a credibilidade da produção de notícias é questionada. “Se uma pessoa diz que está chovendo e outra diz que não está, a obrigação do jornalista não é citar os dois lados, mas olhar pela janela e descobrir a verdade”, já dizia o escritor Jonathan Foster. É preocupante que no Brasil não somente o vírus esteja deixando um rastro de incertezas e luto, pois hoje a maior ameaça aos jornalistas brasileiros e à liberdade de imprensa tem sido o próprio Presidente da República.


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Trumpismo e Bolsonarismo: as semelhanças não são coincidências

 


Por Camila Machado                              

Um dos muitos apertos de mão entre Trump e Bolsonaro e suas alianças. Foto da reunião do G20, em Osaka - via Agência Brasil

Depois do ataque ao Capitólio, no dia 06 de janeiro, pesquisadores que sempre chamaram a atenção para o efeito nocivo das redes de Donald Trump para a sociedade norte-americana disseram que tal uso contribuiu não só para a invasão do Capitólio, mas para a eleição de muitos outros políticos com base na propagação de notícias falsas. Este efeito foi tamanho que o Twitter baniu, definitivamente, a conta com mais de 88 milhões de seguidores do presidente a fim de evitar a contínua incitação à violência. O Facebook e o Instagram também bloquearam os perfis de Trump por tempo indeterminado. 

O mesmo efeito nocivo é notado facilmente também no governo de Jair Bolsonaro que se elegeu por meio das redes sociais e desde o início do governo faz delas seu principal canal de comunicação. O Twitter já suspendeu inúmeros de seus posts por apresentarem notícias falsas, principalmente nesta pandemia. A incitação à violência também está presente em suas redes e influenciaram, de certa forma, as preocupantes manifestações contra o STF, em julho de 2020. Inúmeros são os casos em que Bolsonaro e Trump prestaram um desserviço brasileiros e estadunidenses - para nos limitarmos aos públicos nacionais - e tal desserviço se tornou ainda mais intenso nesta pandemia. A qual Bolsonaro insiste em minimizar a gravidade, mesmo o país tendo hoje mais de 220 mil mortes por Covid-19.

É inegável as semelhanças entre o Trumpismo e o Bolsonarismo, semelhanças estas que claramente não são meras coincidências. Nos dois casos, temos políticos de extrema direita que usam e abusam das expectativas de milhões de pessoas, que apresentam certa vulnerabilidade social e/ou econômica, e se apresentam como os “salvadores da pátria”. Ambas as candidaturas de extrema direita souberam explorar os espaços abertos pelo crescimento da desigualdade e os erros cometidos por partidos tradicionais. Tanto no Trumpismo, quanto no Bolsonarismo temos uma intensa nostalgia pelo passado que baseia suas campanhas e governos.  Trump adotou com o seu lema o ‘Make America Great Again’, desconsiderando detalhes da história norte-americana como o genocídio de povos indígenas, a escravidão e os longos períodos de discriminação contra mulheres, negros, e migrantes. Enquanto Bolsonaro nem ao menos tenta disfarçar sua nostalgia pelos anos de chumbo e pelas práticas de tortura que marcaram a ditadura militar do Brasil.

O principal pilar do Trumpismo e do Bolsonarismo tem sido o incentivo ao medo, à raiva e ao ódio, com apologias à violência. Indivíduos e grupos minoritários são transformados em inimigos e culpados por todo mal que aflige a sociedade. Para o Trumpismo o alvo tem sido as populações de novos migrantes, os negros e apoiadores do partido democrata, enquanto aqui Bolsonaro fez dos povos indígenas, do movimento LGBT, dos ambientalistas, dos petistas, de supostos ‘comunistas’ e de ativistas em geral inimigos da nação. Comportamentos sexistas que propagam o desrespeito e a violência contra mulheres também são marcas registradas no Trumpismo e no Bolsonarismo que estão sempre seguindo uma lógica de ganhos com suas bases eleitorais.

É possível perceber como o governo brasileiro está constantemente “copiando” o discurso e as ações de Trump. O exemplo mais recente disso foi quando Trump perdeu as eleições de 2020 e passou a dizer que havia tido fraude nas eleições e o presidente Jair Bolsonaro não só concordou e apoiou a infundada acusação de Trump, como adotou o mesmo discurso ao falar das eleições de 2018. Bolsonaro, desde então, vem questionando a segurança das urnas eletrônicas e falando que nas eleições de 2020 o voto não poderá ser eletrônico e isso preocupa.

É preciso pensar que no Brasil um desafio bolsonarista a um possível resultado negativo nas eleições poderá ter dimensões muito mais graves do que as de Trump nos EUA (que resultou no ataque ao Capitólio).  Bolsonaro tem apoio em setores importantes das Forças Armadas, das Polícias Militares, do empresariado e do Judiciário, o que torna nossas instituições democráticas muito mais frágeis. Sem contar o apoio cego de parte da população a Bolsonaro, a proliferação de armas no país e o sério desequilíbrio que acompanha a personalidade do presidente.

Uma crise política e institucional poderá vir a ser enfrentada daqui a algum tempo e as forças populares devem estar dispostas a defender o pouco de democracia que existe no país para que evitemos assim um golpe fascista. Trump já caiu e receio que não podemos, simplesmente, esperar Bolsonaro seguir os mesmos passos de seu companheiro extremista, temos que agir.  


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A cobertura problemática do ataque ao Capitólio e um dos seus prováveis efeitos colaterais


Por Camila Machado                

Ataque ao Congresso dos EUA por apoiadores de Donald Trump. Foto: VaticanNews


A invasão ao Capitólio, no dia 06 de janeiro, foi notícia no mundo todo e considerada, por muitos especialistas, como um ataque à democracia moderna. Uma mancha que será difícil de apagar da história da democracia norte-americana e que rendeu  milhares de críticas a Donald Trump. Ele foi acusado de estimular seus apoiadores a invadirem o Capitólio na tentativa de impedir a diplomação do presidente Joe Biden. Há meses Trump vinha incitando sua base de apoiadores a se mobilizar contra uma suposta fraude eleitoral e a invasão ao Capitólio foi o ápice das ações problemáticas que o presidente vem tomando desde que assumiu a presidência.

     Um fato importante que chamou a atenção em meio ao caos que a invasão trouxe para a vida dos estadunidenses foi em relação a cobertura feita pela mídia do acontecimento. Muitos veículos referiram-se aos invasores do Capitólio como “manifestantes”, e incluir grupos nacionalistas, fascistas e supremacistas de extrema direita na mesma categoria de ativistas do Black Lives Matter, por exemplo, e de outros movimentos que lutam pelos direitos das comunidades marginalizadas dos EUA é algo extremamente problemático e perigoso.  

Ativistas já temem que o que aconteceu no dia 06 de janeiro seja usado como referência para justificar a repressão e a violência contra os movimentos sociais tanto na mídia, quanto nos processos legais. Especialistas dizem que é provável que o ataque ao Capitólio traga consequências desagradáveis para os movimentos sociais, como o aumento da violência contra estes grupos populares. Violência esta que não foi, nem de perto, usada na mesma intensidade contra os invasores do Capitólio e que mostrou para o mundo que a polícia estadunidense já escolheu o seu lado e esse lado tem cor. Basta olhar para as dezenas de organizadores dos protestos anti racistas nos EUA que foram presos e perseguidos ao longo de 2020. O que aconteceu no Capitólio foi uma demonstração do que é a supremacia branca norte-americana e do apoio que estes têm do Estado e, de certa forma, da mídia que ao não medir palavras acaba corraborando para esse “terrorismo doméstico”.

Um último ponto a ser levantado, ainda dentro dessa temática dos movimentos sociais, é de que assim como a Lei Antiterrorismo brasileira torna-se, de certa forma,  uma ameaça para o movimento social como um todo o mesmo pode acontecer nos EUA. A definição de terrorismo pode ser ampliada para incluir, de alguma forma, grupos que protestam contra certas políticas, mesmo que pacificamente, e a mídia pode novamente corraborar para isso.





 

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Ameaça contra Duda Salabert

Por Camila Machado                

Discursos de ódio retroalimentados no Brasil e os trolls de extrema-direita


Duda Salabert é ameaçada de morte e vem recebendo mensagens de ódio desde que ganhou as eleições. Fonte: via Instagram



    No dia 04 de dezembro, a primeira vereadora  trans e a mais votada da capital mineira Duda Salabert  nas eleições de 2020 fez a seguinte publicação em suas redes sociais: “Estou sofrendo ameaças de morte. Desde que ganhei a eleição venho recebendo mensagens não apenas de ódio, mas também de ameaças. Ontem recebi esse e-mail. E pior: o grupo odioso enviou esse mesmo e-mail para a escola em que trabalho e para os donos e para a direção da escola. É uma estratégia não só para me intimidar, como também para forçar que a escola me demita”.  Na mensagem de ameaça, a pessoa dizia que iria comprar uma pistola e invadir o colégio Bernoulli, onde Duda dá aula há 12 anos, para matar “todos os negros”, “vadias” e por último a vereadora.

            Imagens da ameaça recebida publicada no perfil do Instagram  da vereadora.

    Segundo Duda, o e-mail é assinado por Ricardo Wagner Arouoxa. O nome do autor seria um pseudônimo usado por um grupo de extrema direita no Brasil. A revista Época informou que o nome dele vinha sendo utilizado por uma quadrilha de crimes de ódio na internet inspiradas no Dogolachan, fórum criado por Marcelo Valle Silveira Mello, um dos primeiros condenados por racismo na internet no país. Trata-se de uma nova onda de ataques que seguem a mesma linha das ações do Dogolachan e é extremamente influente na cena troll brasileira.

    Mas, não foi a primeira vez que Duda é atacada e recebe ameaças assim. Em 2018, quando ela se candidatou ao Senado Federal, Salabert relatou estar sofrendo vários atentados virtuais e que muitos deles motivados por políticos da família Bolsonaro. “Alguns dos apoiadores e candidatos do Bolsonaro fizeram publicações contra a minha figura, o que desencadeou em literalmente milhares de mensagens de ódio contra mim”, disse Salabert  em entrevista a Ponte. Na ocasião, Duda contou que algumas pessoas chegaram a ligar para a escola onde ela trabalha e exigir que a demitisse.

    Na mesma época, Duda disse que “os partidos são espelho da sociedade e por isso são ainda muito machistas, misóginos e transfóbicos”, e isso se faz cada dia mais presente desde 2018. Discursos deste tipo são compartilhados e retroalimentados diariamente no Brasil, inclusive, pelo atual presidente que se tornou um “digital influencer” do discurso de ódio. Resguardado em seu cargo de chefia e escondido atrás da “liberdade de expressão” que tanto prega, Bolsonaro não se cansa de fazer comentários homofóbicos e misóginos e de compartilhá-los com seus milhares de seguidores. 

    Rodrigo Nunes, professor de Filosofia Moderna da PUC-Rio, em entrevista à BBC, disse que o presidente Jair Bolsonaro e seu entorno adotam  a estratégia de comunicação dos trolls, os provocadores da internet, para ganhar visibilidade. “Ele está sempre introduzindo temas que são 'polêmicos' — que na verdade são comentários racistas, homofóbicos ou machistas etc. —, e a reação [de indignação] provocada atrai atenção para ele, lhe dá visibilidade”.  A figura do troll é exatamente esta figura que fala o que todo mundo está pensando e ao mesmo tempo está só brincando. A que está sempre nesse jogo dúbio, entre o que é brincadeira e o que é sério. A questão é que a cada dia mais pessoas estão disseminando esses discursos e daí surgem os grupos de ódio na internet. Grupos como os que ameaçaram Duda Salabert e outras mulheres recém-eleitas no Brasil, os trolls de extrema direita que seguem cegamente o seu messias.


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terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Por que os jornais estampam rostos apenas em casos de espetacularização?

Por Camila Machado        


Protesto contra violência policial em São Paulo em 2020.  Foto:. Amanda Perobelli / REUTERS


            No dia 14 de dezembro, a Folha de São Paulo publicou uma matéria que mostra que mais de 2 mil crianças e jovens foram mortos por policiais militares nos últimos três anos. Todos os dias, ao menos uma criança ou adolescente são mortos pela polícia no Brasil. A notícia escancara a vulnerabilidade das crianças e adolescentes em nosso país, principalmente daqueles que são pobres e pretas, uma vez que os agentes do Estado, que deveriam protegê-los, os matam.  Que a violência policial era fato todos nós já sabíamos, mas saber que ao menos 2.215 pessoas, entre 0 e 19 anos, foram mortas e tratadas como meros números só nos últimos três anos gerou grandes discussões nas redes sociais e abriu caminho para muitos questionamentos.

Uma fala de Sofia Reinach, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, chama a atenção na matéria. “Não são apenas números, são pessoas e suas famílias que passam a vida tendo que conviver com essas marcas. Os jornais, que estampam rostos quando um caso chama a atenção, poderiam dedicar páginas completas diariamente com fotos das vítimas. É uma rotina que foi normalizada no Brasil e vai muito além de alguns casos emblemáticos”, diz Reinach. Questões importantes em referentes ao “fazer jornalístico'' surgem desse ponto levantado pela Sofia. 

A primeira diz respeito a naturalização e automatização de eventos  que não deveriam ser naturalizados. O jornalismo não pode se dar o direito de se “acomodar” ou ser superficial ao tratar da violência policial crescente ou qualquer outro tempo de interesse público. A imprensa, como um todo, deve instigar discussões e não contribuir para a naturalização de eventos que ferem qualquer aspecto do campo social (pelo menos é o que se espera).  

A segunda questão é: O que faz com que muitas coberturas foquem no “raso” e fiquem apenas no factual do acontecimento, dando destaque para certos eventos e ignorando outros? (mesmo que estes sejam sobre um mesmo assunto, como os assassinatos de crianças e jovens por policiais,  apresentados pela Folha). O que tem movido e definido a escolha dos casos que são suficientemente “relevantes” para a construção das matérias nas redações brasileiras? O interesse público ou aquilo que dará mais “clique” e terá mais repercussão? Por que, como questionado por Sofia, os jornais apresentam apenas números e não os rostos desses jovens mortos pelos PMs? Por que muitos casos são silenciados? E o que a imprensa ganha ao ignorar certos eventos e ajudando a reforçar a naturalização de temas socialmente relevantes?

Chamo-os a pensar criticamente as questões levantadas aqui. O que falta nessa narrativa? Qual lado de um fato não está sendo mostrado nas reportagens e matérias construídas hoje em dia? É necessário questionar e chamar a atenção para  os “detalhes”, as pequenas escolhas feitas ao elaborar uma matéria, seja em grandes conglomerados midiáticos ou veículos independentes, e que alteram a percepção da realidade a ser mediada pela comunicação. É preciso desautomatizar e quebrar padrões para que o jornalismo se sensibilize novamente, apresentando rostos e histórias - é preciso “desnumeralizar” a vida.


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