terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Por que os jornais estampam rostos apenas em casos de espetacularização?

Por Camila Machado        


Protesto contra violência policial em São Paulo em 2020.  Foto:. Amanda Perobelli / REUTERS


            No dia 14 de dezembro, a Folha de São Paulo publicou uma matéria que mostra que mais de 2 mil crianças e jovens foram mortos por policiais militares nos últimos três anos. Todos os dias, ao menos uma criança ou adolescente são mortos pela polícia no Brasil. A notícia escancara a vulnerabilidade das crianças e adolescentes em nosso país, principalmente daqueles que são pobres e pretas, uma vez que os agentes do Estado, que deveriam protegê-los, os matam.  Que a violência policial era fato todos nós já sabíamos, mas saber que ao menos 2.215 pessoas, entre 0 e 19 anos, foram mortas e tratadas como meros números só nos últimos três anos gerou grandes discussões nas redes sociais e abriu caminho para muitos questionamentos.

Uma fala de Sofia Reinach, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, chama a atenção na matéria. “Não são apenas números, são pessoas e suas famílias que passam a vida tendo que conviver com essas marcas. Os jornais, que estampam rostos quando um caso chama a atenção, poderiam dedicar páginas completas diariamente com fotos das vítimas. É uma rotina que foi normalizada no Brasil e vai muito além de alguns casos emblemáticos”, diz Reinach. Questões importantes em referentes ao “fazer jornalístico'' surgem desse ponto levantado pela Sofia. 

A primeira diz respeito a naturalização e automatização de eventos  que não deveriam ser naturalizados. O jornalismo não pode se dar o direito de se “acomodar” ou ser superficial ao tratar da violência policial crescente ou qualquer outro tempo de interesse público. A imprensa, como um todo, deve instigar discussões e não contribuir para a naturalização de eventos que ferem qualquer aspecto do campo social (pelo menos é o que se espera).  

A segunda questão é: O que faz com que muitas coberturas foquem no “raso” e fiquem apenas no factual do acontecimento, dando destaque para certos eventos e ignorando outros? (mesmo que estes sejam sobre um mesmo assunto, como os assassinatos de crianças e jovens por policiais,  apresentados pela Folha). O que tem movido e definido a escolha dos casos que são suficientemente “relevantes” para a construção das matérias nas redações brasileiras? O interesse público ou aquilo que dará mais “clique” e terá mais repercussão? Por que, como questionado por Sofia, os jornais apresentam apenas números e não os rostos desses jovens mortos pelos PMs? Por que muitos casos são silenciados? E o que a imprensa ganha ao ignorar certos eventos e ajudando a reforçar a naturalização de temas socialmente relevantes?

Chamo-os a pensar criticamente as questões levantadas aqui. O que falta nessa narrativa? Qual lado de um fato não está sendo mostrado nas reportagens e matérias construídas hoje em dia? É necessário questionar e chamar a atenção para  os “detalhes”, as pequenas escolhas feitas ao elaborar uma matéria, seja em grandes conglomerados midiáticos ou veículos independentes, e que alteram a percepção da realidade a ser mediada pela comunicação. É preciso desautomatizar e quebrar padrões para que o jornalismo se sensibilize novamente, apresentando rostos e histórias - é preciso “desnumeralizar” a vida.


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