sábado, 16 de janeiro de 2021

Voluntários nas ruas para garantir os lucros dos patrões

Ana Laura Corrêa        

Em uma tentativa de frear o avanço da pandemia na cidade, a Prefeitura de Divinópolis e grupos de empresários de vários setores deram início à campanha “Amigos do Comércio”.

A ação envolveu o treinamento, pela Vigilância Sanitária do município, de grupos de voluntários, que, em seguida, foram fiscalizar os estabelecimentos comerciais quanto ao cumprimento dos protocolos de combate à covid-19.

Faltam fiscais

Os tão falados “enxugamento da máquina pública”, “austeridade” e “corte de gastos” resultam em situações como a falta de fiscais que a Prefeitura enfrenta hoje. Em uma cidade com mais de 200 mil habitantes, há pouco mais de dez fiscais para vistoriar o cumprimento das regras estabelecidas pelos decretos.

Não entraremos, neste texto, no mérito do absurdo de a Prefeitura ter que fiscalizar comportamentos, depois de quase um ano de pandemia. As formas de prevenção já foram faladas e repetidas exaustivamente.

Questionamos, aqui, a exposição ao risco de contrair a covid-19 de voluntários - portanto, sem remuneração -, apoiada por patrões e Prefeitura, para fiscalizar o comércio. Se as entidades querem manter seus estabelecimentos funcionando, por que, pelo menos, não se unem para contratar pessoal e atender seus interesses? Por que expor pessoas ao risco (o que já é absurdo) sem qualquer contrapartida?

Cobrar do presidente


Um texto divulgado no site da CDL após a inclusão de Divinópolis na onda vermelha - portanto, com o fechamento das lojas - diz que “a situação se torna ainda mais preocupante tendo em vista que as Medidas Provisórias que permitiam a redução de jornada e salário dos trabalhadores, além da suspensão dos contratos de forma temporária, já não estarão em vigor em 2021 e tampouco serão reeditadas”.

Não seria, então, o momento de cobrar do presidente Jair Bolsonaro a continuidade dessas medidas (não que sejam as melhores...) em vez de pressionar pela reabertura a todo custo? E, sem o auxílio emergencial, para quem o comércio pretende vender?

É contraditório

O mesmo texto ainda traz que “não existe nenhuma evidência científica de que o comércio seja fator preponderante para a disseminação do vírus.

Ora, se não fosse, por que estão promovendo o “Amigos do Comércio”?

Além disso, as evidências científicas mostram que qualquer aglomeração e descumprimento das outras medidas de prevenção favorece a transmissão do vírus.
Daí, não é muito difícil compreender que o comércio traz, sim, riscos. Veja mais nesta matéria da BBC Coronavírus: os riscos de contágio em shoppings centers, que começam a reabrir durante pandemia

Os comerciantes até estar mais atentos agora (será?), mas o que se via há pouco tempo eram vendedores e clientes sem máscara ou distanciamento, e lojas sugerindo roupas para o Natal e Réveillon (não deveriam ser celebrados em casa?). Aparentemente, ninguém se lembrava de pandemia. A conta do descaso chegou.

Discussão ultrapassada

A discussão e a pressão sobre a reabertura/fechamento de lojas, diante de todas as evidências científicas já deveria estar ultrapassada. Existe o risco? Existe. É preciso fechar? Sim. O que fazer? Cobrar também do presidente maior celeridade quanto à vacinação, para que, enfim, tudo possa voltar ao normal. Mas, por aqui, ainda não se viu CDL, Acid ou empresários falando sobre a vacinação. Eles não querem voltar ao normal?

Aumento dos casos levou ao fechamento de estabelecimentos não essenciais

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Mais importante do que ser é parecer ser

Ana Laura Corrêa        

Desde que assumiu a Prefeitura de Divinópolis, Gleidson Azevedo já publicou 18 vídeos em seu perfil no Instagram, apenas até o dia 16 de janeiro (com pouco mais de duas semanas de mandato), com média de mais de um vídeo publicado por dia. A descrição da página pessoal do prefeito traz: “Divinópolis agora tem prefeito!”. Nós, do Observatório Pluris, fomos então verificar as postagens de Gleidson Azevedo para verificar quem é esse novo prefeito - que desmerece todos os seus antecessores em uma frase.

Os vídeos publicados pelo prefeito, desde o início do mandato, têm entre 9 e 33 mil visualizações.

Destacaremos aqui, inicialmente, duas publicações. Em uma delas, ao lado do irmão gêmeo, o deputado estadual Cleitinho Azevedo - que está de recesso da ALMG (mas, vale lembrar, apenas até 31 de janeiro) -, Gleidson Azevedo ajuda a retirar um radar na avenida JK. Em outra publicação, o prefeito - ainda no dia da posse, em 1º de janeiro - ajuda a cortar uma árvore e retirar galhos caídos em uma via na cidade, após uma forte chuva.

Trecho do vídeo em que o prefeito retira radar da avenida JK (Foto: Reprodução/Instagram)

Diante desses posts, vêm alguns questionamentos. O primeiro é: são essas as funções de um prefeito eleito? Onde estão os servidores que deveriam fazer essas tarefas? Ou o estado mínimo está tão perverso em Divinópolis a ponto de o prefeito precisar exercer funções que não são suas? Se falta pessoal, por que ele, como prefeito, não abre concurso público para a contratação de servidores para fazer essas tarefas?

Outra pergunta que surge ao ver as publicações é: quais temas o prefeito escolhe para fazer vídeos e por quê? Por que ele resolveu “ajudar” pessoalmente nessas ocasiões e em outras não? Na página de Gleidson Azevedo, não há, por exemplo, vídeos relacionados às reuniões para o fechamento do comércio devido à pandemia.

Ele, em apenas duas semanas à frente da Prefeitura, passou por cima da decisão do comitê formado por profissionais da saúde e permitiu a reabertura das lojas em um momento crítico da pandemia de coronavírus na cidade. Silêncio nos posts. Até mesmo na entrevista coletiva que tratou do retorno à onda vermelha, quem mais falou foi a vice-prefeita, Janete Aparecida, enquanto Gleidson, tão acostumado a mostrar-se e a falar, ficou, assustadoramente, mais quieto e calado. Por quê?

Mais um questionamento: em que momento esses e outros vídeos são gravados e por quem? O expediente pode ser interrompido para o prefeito gravar vídeos para as próprias redes sociais, e não as da Prefeitura? Ou esses vídeos são feitos após o expediente? Quem filma é pago com dinheiro público? É um assessor particular do prefeito ou é servidor da Prefeitura?

Em outro vídeo, Gleidson Azevedo mostra os elevadores e veículos exclusivos aos quais os chefes do Executivo sempre tiveram acesso na Prefeitura. Ele disse que cortou essas “mordomias” e pede que a população viralize o vídeo para que o Brasil todo veja. Qual a necessidade dessa divulgação? Outras cidades vão mudar por causa de ações do prefeito de Divinópolis?

Como vivemos na era das selfies, das redes sociais, em que “parecer ser é mais importante do que ser” e tudo se transforma em espetáculo para os outros verem, o prefeito parece querer adequar a função de prefeito ao seu gosto pela exibição nas redes sociais. Afinal, o trabalho e as burocracias “normais” de um prefeito não são muito instagramáveis (de acordo com o que Gleidson & Cleitinho consideram instagramável), não geram muitas visualizações, curtidas, compartilhamentos e comentários.

Embora a lógica das redes sociais seja a do “parecer ser” (em que todo mundo quer parecer fitness, quer parecer que trabalha muito, quer parecer que estuda demais, que viaja o mundo inteiro, que visita as praias mais bonitas, cozinha os melhores pratos e come nos melhores restaurantes), essa lógica não se aplica à política. Para ser um bom prefeito é preciso, antes de tudo, ser. Fazer aquilo que deve ser feito, dentro das suas funções específicas, em prol da população.

Assinar papéis e ficar em um gabinete pode não ser um trabalho muito instagramável, mas, ainda assim, é possível, por meio de bons profissionais da comunicação, ter bons posts nas redes sociais. Essas publicações, no entanto, nem sempre terão muitas curtidas, comentários, compartilhamentos ou visualizações. Contudo, se as ações concretas contribuírem para a melhoria de vida da população da cidade, já é o suficiente dentro das funções de um prefeito. A população agradecerá em silêncio quando vir o ônibus sem aglomerações na pandemia. Fazer o quê? Querer ser visto, aplaudido e mostrar-se o tempo todo não significa fazer um bom trabalho. Ser prefeito é outra coisa. Divinópolis agora tem prefeito?

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terça-feira, 12 de janeiro de 2021

A imprensa e o novo prefeito de Divinópolis: jornalismo ou assessoria?

Ana Laura Corrêa        

Gleidson Azevedo assumiu a Prefeitura de Divinópolis em 1º de janeiro. Assim como o irmão, o deputado estadual Cleitinho Azevedo, Gleidson vem se tornando conhecido pelos vídeos publicados em suas redes sociais. Até o dia 16 de janeiro, por exemplo, 19 publicações já haviam sido feitas pelo prefeito em sua página no Instagram.

A quantidade de postagens nas redes sociais corre o risco de transformar a cobertura jornalística das ações da Prefeitura, feita pelos veículos de comunicação da cidade, em uma simples cobertura das publicações do Instagram, com matérias do tipo “Em vídeo, Gleidson diz que…”.

Assim, o que se tem é uma cobertura sobre os vídeos do prefeito, e não sobre os fatos em si. Tal como fez o Estado de Minas - em notícia republicada do Portal Gerais, de Divinópolis - que, em vez de destacar a problemática em torno dos elevadores e veículos exclusivos para o prefeito, fez uma descrição detalhada do vídeo publicado pelo chefe do Executivo, veja na matéria "Prefeito de Divinópolis revela elevador privativo e 'mordomias'; veja vídeo".

Vídeo do prefeito virou matéria no Estado de Minas (Foto: Reprodução)

Ou, ainda, o Sistema MPA que, como veículo jornalístico, reproduziu uma crítica do prefeito direcionada à própria mídia, feita, é claro, em um vídeo, na matéria "Prefeito Gleidson questiona mídia e aproveita para fazer balanço da primeira semana". As regras dos textos jornalísticos dizem que os temas mais importantes devem vir no primeiro parágrafo das matérias. No caso da notícia do Sistema MPA, o texto já se inicia com “O prefeito Gleidson Azevedo divulgou um vídeo…”. Será esse o fato mais importante? Será o conteúdo do vídeo um conteúdo importante ao ponto de merecer uma matéria?

Também o Jornal Agora destacou na matéria "Prefeito de Divinópolis remove radar na avenida JK" o vídeo em que o prefeito retira “com as próprias mãos” um radar na avenida JK. A matéria feita não traz o posicionamento da Secretaria de Trânsito, principal fonte sobre o assunto - afinal, por que aquele radar foi colocado ali? - mas se detém à descrição do vídeo.

Todos os três textos trazem pelo menos trechos dos vídeos publicados por Gleidson Azevedo que motivam as matérias.

Mas somos jornalistas ou assessores do prefeito? Parece haver uma confusão quanto à função do jornalismo.

Repórteres e jornalistas muitas vezes se orgulham em dizer que são o “quarto poder”, que são “fiscalizadores da política”. No entanto, matérias desse tipo parecem apenas uma assessoria de comunicação das ações do prefeito, que, vale ressaltar, tem funcionários e assessores remunerados (aliás: esses assessores, como servidores públicos, são assessores do governo ou da Prefeitura, da máquina político-administrativa, com a finalidade de cuidar da coisa pública? Mas esse é um tema para outro texto...)  à sua disposição, enquanto jornalistas dos veículos de comunicação da cidade geralmente enfrentam trabalhos precários.

Com certeza há temas mais importantes para o jornalismo do que divulgar populismos, polêmicas propositais ou que tais - ou, então, que se traga pelo menos uma perspectiva crítica em matérias desse tipo. Que deixemos o restante para as páginas pessoais dele nas redes sociais.

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O silêncio da Agência Brasil sobre o #AdiaEnem

 Ana Laura Corrêa        

A realização das provas do Enem nos dias 17 e 24 de janeiro, em meio à alta dos casos de coronavírus no Brasil, fez com que entidades, movimentos, políticos, pais, alunos e professores pedissem o adiamento do exame. O que não aconteceu.

Já falamos aqui no Observatório Pluris sobre a Agência Brasil, único veículo de comunicação pública no país, mas que tem sido submetido às pressões do atual governo.

Assim, fomos verificar a cobertura do site sobre o Enem, observando as notícias publicadas em janeiro relacionadas ao exame:

TV Brasil e Agência Brasil transmitirão aulões da Maratona Enem
Justiça Federal de São Paulo nega novo adiamento do Enem 2020
Professores dão dicas para lidar com a ansiedade às vésperas do Enem
Inep antecipa em meia hora o acesso aos locais de provas do Enem
Enem terá regras para evitar contágio pelo novo coronavírus
Defensoria Pública da União pede adiamento do Enem 2020
Candidatos do Enem lidam com internet precária e estudos pelo celular
Inep divulga cartão de confirmação com local de prova do Enem 2020
Plataformas online gratuitas podem ajudar na preparação para o Enem

A leitura que se faz, a partir dos títulos, é de que não parece que o exame será realizado em meio a uma pandemia - a não ser por uma notícia que menciona apenas o pedido da Defensoria Pública da União (e as outras solicitações? Principalmente as dos alunos!) para que as provas sejam adiadas e outra matéria que, em resposta, cita que o Enem não será adiado.

Uma das matérias publicadas pela Agência Brasil sobre o Enem (Foto: Reprodução)
 

Fora isso, todo o movimento pela mudança da data da prova não recebeu destaque nas matérias. Basta uma rápida busca no Google para verificar, em outros veículos, diversas reportagens sobre os vários pedidos de adiamento:

Correio Braziliense: UNE e Ubes vão pedir o adiamento do Enem na Justiça
Metrópoles: MPF pede à Justiça adiamento da aplicação do Enem no Amazonas
Estado de Minas: Duda Salabert e PDT vão à Justiça pelo adiamento do Enem
Yahoo!: Estudantes pedem novo adiamento do Enem; MEC nega
Istoé Dinheiro: Estudantes pedem novo adiamento do Enem em meio ao avanço da pandemia no Brasil
UOL: Estudantes pedem adiamento do Enem por risco de contágio da Covid-19
G1: Enem 2020: secretários estaduais de Saúde pedem ao ministro da Educação que a prova seja adiada

Sem dar qualquer destaque, nos títulos, aos pedidos de estudantes - principais envolvidos no exame -, as notícias da Agência Brasil, em sua maioria:

  • divulgam apenas os “trâmites” normais do exame (divulgação dos cartões de confirmação);
  • destacam as medidas de segurança para a realização das provas (“Inep antecipa em meia hora o acesso aos locais de provas do Enem” e “Enem terá regras para evitar contágio pelo novo coronavírus”);
  • orientam estudantes (“TV Brasil e Agência Brasil transmitirão aulões da Maratona Enem”, “Professores dão dicas para lidar com a ansiedade às vésperas do Enem” e “Plataformas online gratuitas podem ajudar na preparação para o Enem”).


Essas três últimas matérias, aliás, publicadas na semana anterior ao exame (que, sabe-se, exige uma preparação bastante antecipada) parecem tentar tirar o foco da situação, voltando o destaque aos auxílios disponibilizados aos estudantes. Assim, mais uma vez, a Agência Brasil deixa de lado seu caráter público.

Para não ficar só nos títulos…

Verificamos também os textos completos das matérias. Além das duas que se relacionam com o adiamento pelo título, outras duas citam ao longo do texto os pedidos de adiamento (“Inep antecipa em meia hora o acesso aos locais de provas do Enem” e “Enem terá regras para evitar contágio pelo novo coronavírus”), mas que aparecem como informações secundárias. E, na pirâmide invertida do jornalismo, o que é mais importante vem primeiro, logo, a discussão ficou em segundo plano.

Silêncios que dizem

Se a Agência Brasil mal falou sobre os pedidos de adiamento do exame, não precisamos nem dizer que não houve qualquer publicação sobre a morte do diretor responsável pelo Enem, general da reserva Carlos Roberto Pinto de Souza, por covid.


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quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

O que é o desenvolvimento econômico em Divinópolis?

Ana Laura Corrêa            

Os vereadores eleitos em Divinópolis participarão, em fevereiro, de um workshop promovido pelo Sebrae, Fiemg e Grupo Gestor ‒ entidades ligadas aos empresários da cidade.

A Câmara e a Fiemg noticiaram em seus sites e distribuíram releases à imprensa sobre o evento, que, segundo os textos publicados, terá foco no “desenvolvimento econômico”.

Quando se fala em “desenvolvimento econômico”, a população é levada a crer que se trata de uma capacitação certamente benéfica, que trará crescimento para o município.

Mas é preciso questionar: o que se entende, neste caso, por desenvolvimento econômico, levando-se em conta a perspectiva dos responsáveis pelo evento?

Reunião dos representantes da Fiemg e Sebrae com o presidente da Câmara (Foto: Divulgação/Fiemg)

‘Empreendedorismo’

Vejamos, por exemplo, um dos temas a ser abordado no workshop, segundo a notícia divulgada no site da Câmara e da Fiemg: a “educação empreendedora”.  

É sabido que “empreendedorismo” tem sido um termo utilizado com recorrência para apagar a precarização do trabalho. O “empreendedorismo” aumenta o número de empregados, sim, mas de trabalhadores informais, que não têm nenhuma garantia de direitos. Desta forma, vale questionar, em que medida isso corresponde realmente ao desenvolvimento - que deveria se pautar além do econômico, mas vá lá - para a cidade.

Legislações

Na notícia publicada no site da Câmara consta que “serão debatidas as aplicações de diversas legislações como o Código de Posturas, Ambiental Municipal, Plano Diretor e Código Tributário”.

Serão debatidas mesmo, com espaço para diferentes pontos de vista? Ou serão atacadas, com propostas de alterações a bel-prazer dos empresários? Afinal, é um evento promovido por eles, que geralmente, na lógica do estado mínimo, querem mudar o que estabelece o Código Tributário, Plano Diretor, Plano Ambiental...

Qual o papel do vereador?

O texto divulgado pela Fiemg diz que “o objetivo principal do treinamento é capacitar os vereadores para que possam entender seu papel e assim fazer proposições e criar projetos de leis que poderão impulsionar o desenvolvimento de Divinópolis”. E que “vários temas serão tratados, como consórcio público, uso e ocupação do solo, educação empreendedora, entre outros”.

Obviamente, cada grupo social - incluindo os de empresários -  tem seus interesses particulares e age de acordo com eles. Ainda assim, quando a questão avança ao debate público, para tratar da coisa pública e envolvendo instituições públicas, cabe questionar qual viés será dado a essa “capacitação”. Afinal, de qual ponto de vista os vereadores vão “entender seu papel e assim fazer proposições”? Apenas dos empresários? Mas os vereadores não são representantes do povo?

O presidente da Fiemg afirmou na matéria que se trata de uma oportunidade de os vereadores “conhecerem mais sobre o poder público e os reeleitos poderem se reciclar”. Ressalta-se, neste ponto, o fato de a federação das indústrias privadas querer apresentar o poder público para os edis eleitos. Qual propriedade sobre o assunto eles têm?

Engajamento de vereadores?

A notícia publicada pela Câmara e pela Fiemg ainda traz que o objetivo do evento é engajar os vereadores “nas temáticas relacionadas ao desenvolvimento econômico do município, à importância dos pequenos negócios e à construção de políticas públicas que gerarão mais e melhores empregos, elevarão a renda das pessoas e aumentarão o recolhimento de Divinópolis”.

Mais uma vez, é preciso questionar: quais temáticas são essas? Quem estabeleceu essas temáticas? Quais propostas de políticas públicas são essas - que, pelo visto, têm o efeito mágico de salvar a economia da cidade? Por que “engajar” os vereadores nesse workshop?

A quem interessa que eles se “engajem” em políticas que tratam da precarização do trabalho? Eles não eram representantes do povo? Poderiam também os movimentos sociais se reunir com os edis para propor um “engajamento” nesses movimentos, também com “imersão integral, palestras, dinâmicas, debates e oficinas”? Será que os vereadores topariam com tanta prontidão? Será que os movimentos não seriam vistos como “doutrinadores”?

“O presidente da Câmara, Eduardo Print Jr., considerou esta “uma excelente iniciativa que pode estimular o legislador a elaborar leis que geram um efeito prático mais imediato e com potencial de transformar para melhor a vida dos trabalhadores.”

Faltou o vereador explicar como entende que tais medidas poderão transformar para melhor a vida dos trabalhadores. Aguardemos.

Casa do Povo?

É preocupante que a “Casa do Povo” reproduza o discurso enviesado de “desenvolvimento econômico” sem questionamentos. Ou de que povo é essa Casa?
 

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domingo, 3 de janeiro de 2021

Crime passional não, feminicídio: a cobertura midiática do caso do policial que matou a esposa

Ana Laura Corrêa            

2021 começou já com um registro de feminicídio na região de Divinópolis. No dia 3 de janeiro, um policial militar, André Luís da Cunha, matou a esposa, Cassiana Almeida de Souza, e em seguida se matou. Na mídia divinopolitana, o Divinews ainda cobriu o caso como “tragédia passional”, sem utilizar o termo “feminicídio”. 

Trecho da matéria do Divinews (Foto: Reprodução)

O jornal Agora, por sua vez, também chamou o caso de “tragédia”, e sequer mencionou o termo feminicídio na matéria.

Matéria sobre o feminicídio publicada pelo Jornal Agora (Foto: Reprodução)


O trecho “o casal seguia de carro sentido Divinópolis e quando estava próximo ao pedágio da MG-050 próximo a Itaúna, o veículo parou, ocorrendo as mortes” quase naturaliza o ocorrido, tendo em vista que, ao contrário do que traz o jornal, o carro não parou sozinho e as mortes não simplesmente “ocorreram”. Houve um crime e um sujeito responsável por ele, um policial militar.

Neste ponto, pelo menos, o Divinews é mais direto ao afirmar que o policial matou a esposa. Por que o jornal Agora não quis atribuir ao policial o assassinato?

As notícias sobre o feminicídio ocorrido em Divinópolis ainda utilizam o termo “tragédia”. Recorramos ao dicionário: qual o significado de tragédia? Segundo o Michaelis, tragédia é “acontecimento triste, funesto, catastrófico, que infunde terror ou piedade”.

O assassinato certamente é um acontecimento triste, no entanto, nomear o crime como uma tragédia parece tratar o fato como algo isolado e apagar a violência estrutural contra a mulher que ele traz. Assim, classificar o fato como feminicídio seria uma forma de dar visibilidade a esse cenário grave de violência contra a mulher, no entanto, nenhum dos dois portais observados fizeram isso.

Legislação e orientações

A lei do feminicídio está em vigor desde 2015 e a orientação sobre o fim do uso da expressão “crime passional” no jornalismo vem desde então. Apesar disso, em todo o país, conforme o relatório “Imprensa e Direitos das Mulheres: Papel Social e Desafios da Cobertura sobre Feminicídio e Violência Sexual”, elaborado pelo Instituto Patrícia Galvão ‒ organização feminista de referência nos campos dos direitos das mulheres e da comunicação ‒ analisou 1.583 matérias de feminicídios e estupros e verificou que:
 
“Na maioria das vezes em que os crimes são noticiados, os veículos de comunicação não humanizam as vítimas, tampouco colaboram para que a sociedade compreenda mais sobre as políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulheres e sobre como o ciclo de violência pode ser rompido” (...) Prevaleceram matérias sobre a morte em si, sem informações sobre quem era aquela mulher, se já havia buscado ajuda, recorrido ao Estado para se defender de violências anteriores ou se tinha medida protetiva, entre outras questões que podem apontar falhas nas políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres”.

O Instituto Patrícia Galvão também desenvolveu um dossiê com orientações à imprensa sobre a cobertura da violência contra a mulher. O documento está disponível neste link.



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