O mundo está passando por uma intensa polarização política, uma espécie de Guerra Fria. Cada dia o abismo entre esquerda e direita aumenta, e a população se divide cada vez mais. Mas por que a morte de Charlie Kirk em 10 de setembro de 2025 durante um grande evento na Universidade do Vale de Utah é representada como um símbolo de resistência na direita brasileira?
Por Ana Paula Soares
Para responder a questão,
precisamos entender a relação entre a “Família Bolsonaro” e Donald
Trump, presidente dos Estados Unidos. Desde a candidatura de Bolsonaro como
presidente do Brasil, Trump apoia o político alegando que seus ideais e formas
de governo são semelhantes. Tanto que o presidente estadunidense não se
constrangeu de ignorar a soberania brasileira.
A extrema-direita brasileira
considera Trump um “salvador” e idolatra o governo estadunidense, logo, adorava
Kirk, um jovem político com ideias extremistas: Kirk era armamentista tanto
quanto supremacista branco. A morte dele impactou no nosso país mais do que
deveria, porque isso não ataca aos nossos governantes diretamente. Porém a
direita insiste em adorar representantes estrangeiros a entender sobre o
próprio país. Assim aproximou-se a extrema direita estadunidense e a
brasileira.
Os veículos de mídia alinhados à
direita, como Brasil Paralelo, Gazeta do Povo, Jovem Pan e outras, fizeram uma
cobertura completa da morte e suas decorrências. Nas matérias, eles destacam
como ele defendia os valores cristãos, que ele era um pai carinhoso, um marido
exemplar e se empenham em criar um personagem humano e sensível. O Brasil
Paralelo, por exemplo, produziu um mini-documentário sobre a vida do assim
chamado “ativista", que teria morrido em nome dos seus ideais e por
isso merece ser lembrado como um homem de bem. Entretanto, é deixado de fora
suas falas mais polêmicas e impactantes.
Charlie Kirk defendia execuções
públicas e televisionadas, assim como a sua. Porém essa declaração dada em
fevereiro de 2024 no programa ThoughtCrime foi deixada de fora por esses
veículos de informação. É enfatizado também seu carinho por crianças e seu
desejo por manter a inocência da infância, entretanto, nesse mesmo programa
Kirk disse que crianças de 12 anos já tem maturidade suficiente para assistir
uma execução. Além de defender que crianças vítimas de abuso sexual prossigam
com a gravidez mesmo em idades em que o corpo não esteja pronto para gerar uma
vida, expondo essas meninas ao risco.
Uma das estratégias do jornal
Gazeta do Povo foi aproximar o atirador com pautas da esquerda, induzindo o
ódio ao outro lado. Destacaram o fato de o atirador se relacionar com uma
pessoa transgênero para que no imaginário popular as pessoas associam a violência
com a comunidade trans, atenuando a aversão à essas pessoas e quem defende seus
direitos. Ao mesmo em que afirmam que ele defendia os valores cristãos, ou
seja, pessoas LGBT’s são violentas e desrespeitam a norma de Deus. A história
que agrada seu público e reforçam sua bolha ideológica. A pergunta que resta é:
a cobertura que falseia fatos é realizada para agradar um público que já
partilha dessa visão de mundo ou a visão de mundo da cobertura produz o público
consumidor?
Ao analisar as matérias e seus
aspectos é possível enxergar como a notícia se molda de acordo com seu público
alvo. Jornais de esquerda abordaram esse assunto de uma forma diferente, como
no caso da manchete “Grande mídia trata supremacista como ‘Ativista
Conservador” que foi usada pelo The Intercept, em que as ideias
radicais e violentas que Charlie Kirk pregou durante sua trajetória não
relembradas, para descontruir a imagem fantasiosa e pacífica que a grande mídia
criou para impulsionar sua imagem de mártir.
Os dilemas éticos contemporâneos são, seguramente, mais complexos do que eram em épocas anteriores, em razão da emergência das redes sociais digitais, que descentralizam as formas de expressão. No entanto, a receita para as armadilhas ideológicas que brutalizam humanos e esgarçam os tecidos sociais parece ser a mesma desde o século 18: a necessidade de duvidar, de procurar múltiplas versões para os acontecimentos e de pensar com a própria cabeça são o único caminho para não nos tornarmos reféns de quem nos quer escravos.